Ela cresceu olhando para a outra margem. Pensava que a floresta que lá existia era inabitada, cheia de mistérios. A cada banho de rio, imaginava-se nadando até lá.
O tempo passou. Conheceu a outra margem do rio. “Só depois de atravessar é que eu vi.”
Encontrou lá a comunidade da Ilha do Combú. Lá, reencontrou uma parte de si intuída, desejada, “se alimentar do mato, das crenças”. Conheceu a Dona Mundica, a Dona Angélica e uma comunidade efervescente vibrando em sintonia com a natureza. Apaixonou-se, claro. Era o ano de 2009 e, àquela altura, já era artista.
Encantada, estava decidida a amplificar as vozes daquelas pessoas, saudar a sua sabedoria e alegria, a força das matriarcas, o poder da sua cultura, e o devir educativo e transformador daquela porção da maior floresta tropical do mundo. Nascia o projeto
Symbiosis, ao qual pertencem as duas obras presentes na exposição
Resiste! e que propõem experiências aumentadas intensas e contrastantes.
De 2009 pra cá, muita coisa mudou. A simbiose homem-máquina ganhou novos arranjos dando lugar ao colonialismo tecnomolecular. “O ar que respiramos ficará cada vez mais carregado de poeira, gases tóxicos, substâncias e resíduos, partículas e granulações” e “as máquinas de sonhar e as forças da catástrofe se tornarão atores cada vez mais visíveis da história”. É nesse contexto que a obra de Roberta Carvalho — paraense de Belém do Pará, vivendo hoje entre Belém e São Paulo — se atualiza e amplifica seus domínios.
A Amazônia é um continente dentro de um continente, é multiplicidade que transborda as margens. Contendo o incontinente, é cobiça de muitos. Na sua pesquisa, Roberta busca identificar as dinâmicas e os agenciamentos que tornam a Amazônia um lugar de resistência e, no percurso, nos convoca a resistir junto.
Em tempos em que a vida nas grandes cidades ocorre na velocidade 1.5, quando não, 2.0, em que o CEO multitarefa dispensa as 8 horas de sono, e o cidadão duplica a velocidade da mensagem de áudio ou do vídeo na internet, Roberta acende uma luz de alerta em nós. Se a sutileza e a nuance são desvios desnecessários à vida em streaming, são componentes essenciais na latência desse organismo fervilhante no coração do Brasil.
“Quando o fogo termina, a floresta está viva.” Que bom. Mesmo se sabendo num ambiente virtual, é sufocante e angustiante ver a floresta arder e nada poder fazer. Hoje, quando o fogo nem sempre é amigo, a potência dessa experiência é educativa e transformadora.
Roberta defende a ocupação poética das mídias. No bater das águas na chalana ribeirinha bate o pulso do mundo. Nos rostos dos
seres-árvore, reluz o brilho de se reconhecer natureza. A sua poesia reivindica um hibridismo homem-máquina emancipador. Devir floresta. Que assim seja.